sexta-feira, 30 de junho de 2017

Alerta para surto de hepatite A de transmissão sexual em Europa, Ásia, EUA, Chile e Brasil

Surtos de hepatite A por transmissão sexual entre homens que fazem sexo com homens (HSH) são descritos deste a década de 70. Entretanto, em 2017 houve aumento do número de surtos de hepatite A reportados no mundo com grande proporção de pacientes comprometidos em Europa, Ásia, EUA, Chile e Brasil.

Entre junho de 2016 e meados de maio de 2017 houve aumento de casos de hepatite A principalmente em HSH em vários países de baixa endemicidade na região da Europa e nas Américas (Chile e Estados Unidos da América).

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) publicados em junho de 2017 reportaram surto em 15 países (Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Eslovênia, Espanha, Suécia e Reino Unido) totalizando 1173 casos a partir de 16 de maio de 2017.

No Chile, a partir de maio de 2017 foram relatados 706 casos de hepatite A. Nos Estados Unidos, o departamento de saúde da cidade de Nova York registrou um aumento dos casos de hepatite A entre HSH quem não relataram viagens internacionais. E no Brasil, em São Paulo, houve aumento expressivo de casos de hepatite A, de um total de 68 casos em 2016 para 138 em 2017. Este aumento de casos é um problema de saúde pública, devido à atual disponibilidade limitada de vacina contra hepatite A no mundo.

O vírus

A hepatite A é uma infecção causada pelo vírus da hepatite A (VHA), um vírus RNA de 27 nm classificado como um picornavírus. Ele pode causar um quadro de infecção sintomática ou assintomática após um período de incubação médio de 28 dias (intervalo: 15 - 50 dias) . A hepatite A é altamente contagiosa, é transmitida pela via fecal-oral, por meio do contato pessoa a pessoa ou do consumo de água ou comida contaminada. A melhor maneira de prevenir a hepatite A é por meio da vacinação contra o vírus.

Transmissão

A transmissão do VHA é fecal-oral de pessoa para pessoa. Ela se dá mais frequentemente entre contatos estreitos, especialmente entre familiares, e pode ocorrer por meio do contato sexual. Casos esporádicos e surtos de fonte comum também podem acontecer devido a exposição à água ou alimentos contaminados com fezes. A maioria dos surtos de origem hídrica está associada à água contaminada com esgoto ou inadequadamente tratada. Em ocasiões raras a infecção pelo VHA foi transmitida por transfusão de sangue ou por produtos derivados de sangue coletados de doadores durante uma fase virêmica da infecção.

Quem está em risco?

Qualquer um que não tenha sido vacinado pode se infectar com o vírus da hepatite A. Em áreas onde o vírus tem alta endemicidade, como no Brasil, a maioria das infecções de hepatite A ocorre durante a infância. Os principais fatores de risco para hepatite A incluem:

  • Falta de saneamento

  • Falta de água potável

  • Uso de drogas recreativas

  • Ser parceiro sexual de alguém com infecção aguda da hepatite A

  • Viajar para áreas de alta endemicidade sem ser imunizado


Patogênese

O VHA replica no fígado, é excretado na bile e eliminado nas fezes. O pico de infectividade ocorre durante o período de duas semanas antes do início da icterícia ou da elevação das enzimas hepáticas, quando a concentração de vírus nas fezes é maior. A concentração de vírus nas fezes declina depois que aparece a icterícia. A viremia ocorre logo após a infecção, e persiste durante o período de elevação de enzimas hepáticas, mas em concentrações várias ordens de magnitude menor do que nas fezes.

Sintomas

A hepatite A é uma doença autolimitada, que não resulta em infecção crônica. Mais de 80% dos adultos com hepatite A têm sintomas, mas a maioria das crianças é assintomática. A hepatite A geralmente tem um início abrupto que pode incluir febre, mal-estar, anorexia, náuseas, desconforto abdominal, colúria e icterícia. Em crianças com idades inferiores a seis anos, 70% das infecções são assintomáticas. Se a doença ocorre, é normalmente não acompanhada por icterícia. Entre adultos a infecção geralmente é sintomática, com icterícia ocorrendo em mais de 70% dos pacientes. Em menos e 1% dos infectados a doença pode evoluir para a forma grave de hepatite fulminante.

Os sinais e sintomas geralmente duram menos de dois meses, apesar de 10% a 15% dos indivíduos sintomáticos apresentarem sintomas que podem prolongar recidivante, durando até seis meses. A taxa de letalidade global entre os casos relatados por meio do sistema nacional de vigilância de doenças notificáveis é de aproximadamente 0,3% a 0,6%, mas atinge 1,8% entre adultos com idade maior que 50 anos. Pessoas com doença hepática crônica têm maior risco de desenvolver insuficiência hepática aguda. Anticorpos produzidos em resposta a hepatite A protegem contra reinfecção.



Diagnóstico

Hepatite A não pode ser diferenciada de outros tipos de hepatite viral apenas com base nas características clínicas ou epidemiológicas. O HAV RNA pode ser detectado no sangue e fezes da maioria das pessoas durante a fase aguda da infecção. Métodos de amplificação em cadeia da polimerase (PCR) podem ser usados para detectar a viremia. No entanto, apenas um número limitado de laboratórios de pesquisa tem capacidade de usar esses métodos.

Testes sorológicos para detectar a imunoglobulina M (IgM), anticorpos para as proteínas do capsídeo do HAV (IgM anti-HAV) são necessários para confirmar um diagnóstico de infecção aguda de HAV. Na maioria das pessoas, o IgM anti-HAV torna-se detectável de cinco a 10 dias antes do início dos sintomas. O IgG anti-HAV, que aparece mais cedo no curso da infecção, continua a ser detectável por tempo de vida da pessoa e oferece proteção ao longo da vida contra a doença.
Prevenção

Segundo a OMS, países com baixa endemicidade devem recomendar a vacinação de hepatite A para grupos de alto risco, tais como os viajantes para áreas endêmicas, homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas, e pacientes com doença hepática crônica. Em casos de HSH o principal fator de risco está relacionado à transmissão sexual – contato sexual particularmente oral-anal. A maioria dos países com surtos recomendou rotineiramente a vacina contra hepatite A para mulheres que fazem sexo com mulheres.

  • A vacinação contra a hepatite A deve ser incluída como parte de um pacote completo de serviços para prevenir e controle das hepatites virais, incluindo a educação para a saúde e medidas para controle de surto.


  • Alguns países podem considerar uma agenda de dose única de vacina para hepatite A no caso de controle de surtos, especialmente quando a disponibilidade da vacina é escassa.


  • Medidas de saúde pública devem ser dirigidas a grupos com risco aumentado de hepatite A e de complicações graves da infecção.


  • A informação deverá incluir o aconselhamento sobre prevenção – vacinação, higiene, segurança alimentar e medidas de sexo seguras.


Em países com endemicidade intermediária, a vacinação da hepatite A pode ser considerada para toda a população, enquanto em países com alta endemicidade, as infecções são comuns, mas a doença é incomum, portanto, a vacina não é recomendada.

No Brasil os casos de hepatite A devem ser notificados para a secretaria de saúde de cada estado.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Ensaio fotográfico retrata como é ser um homem com depressão


O objetivo da campanha é acabar com a ideia de que homens depressivos são fracos e mostrar a importância de buscar ajuda de amigos e profissionais

De acordo com dados recentes da OMS (Organização Mundial da Saúde), a depressão afeta mais de 300 milhões de pessoas ao redor do mundo. Para alguns homens, assumir a doença é difícil, já que os padrões sociais os fazem acreditar que assumir o problema torna-os fracos. Pensando em como quebrar esse estigma associado aos problemas de saúde mental , a ONG “HeadsUpGuys” criou recentemente uma campanha chamada #ReachOut.

O objetivo da campanha é conscientizar sobre a depressão masculina e combater a ideia de que homens precisam ser fortes e não podem sofrer com a doença. “A realidade é que essa doença não tem nada a ver com a fraqueza pessoal. Ela não é diferente de outros problemas de saúde graves, como diabetes ou pressão arterial alta – pode acontecer com qualquer pessoa”, dizem os idealizadores da campanha no site oficial.

Para conseguir isso, a ONG pediu que fotógrafos e artistas retratassem as próprias lutas contra a doença e comentassem sobre a importância de procurar ajuda. A ideia é que as imagens incentivem outros homens a procurar auxilio. “Para muitos homens que superaram a doença, o ponto decisivo veio quando eles buscaram ajuda com um amigo, membro da família ou profissional de saúde”.

Ensaio fotográfico

Reprodução/Facebook/Mike Alegado

"Não há vergonha alguma em pedir ajuda. Somos humanos e não devemos carregar todo esse peso sozinhos, isso causaria a nossa queda", diz o fotográfo Mike Alegado.

Reprodução/Facebook/Tsoku Maela

"A imagem reimagina a solidão não como uma forma de solidão, mas uma oportunidade para se reconectar (ou neste contexto, alcançar) consigo mesmo. Você é digno e merecedor de amor e apoio dos outros", diz o artista visual Tsoku Maela.

Reprodução/Facebook/Adam Hague

"Sempre há alguém com quem você pode conversar sobre isso. E mais perto do que você imagina", diz o fotógrafo Adam Hague.

Reprodução/Facebook/Joel Robison

"Ao se aproximar das pessoas em nossas vidas, podemos permitir que elas nos proporcionem uma chance de nos ajudar e orientar através das dificuldades que podemos ter", diz o fotógrafo Joel Robison sobre a depressão.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

O amor é uma droga que pode aliviar a dor



Segurar a mão de sua parceira enquanto sofrem realmente pode fazê-las sentirem-se melhores, de acordo com um novo estudo.

Quando os amantes se tocam, a respiração e os batimentos cardíacos se sincronizam e os sentimentos de desconforto desaparecem, revela pesquisa.

Os pesquisadores testaram os poderes de cura do toque da pessoa amada pedindo que os casais participassem de um experimento onde as mulheres eram submetidas a dor.

Eles descobriram que se seu parceiro pudesse segurar sua mão, elas relataram sentir níveis mais baixos de dor do que se o casal simplesmente se sentasse um ao lado do outro.

Os cientistas acreditam que segurar-se com um ente querido ativa uma área do cérebro chamada córtex cingulado anterior, que é associada com dor, empatia e funcionamento cardíaco.

As pessoas "subconscientemente se sincronizam"

"Quanto mais empático for o parceiro e mais forte o efeito analgésico [aliviar a dor], maior a sincronização entre os dois quando eles estão se tocando", disse o Dr. Pavel Goldstein, da Universidade do Colorado, em Boulder.

O estudo de 22 casais é o mais recente em um crescente corpo de pesquisa sobre "sincronização interpessoal", o fenômeno em que os indivíduos começam a refletir fisiologicamente as pessoas com quem eles estão.

Os cientistas sabem há muito tempo que as pessoas subconscientemente sincronizam seus passos com a pessoa com quem andam ou ajustam sua postura para espelhar os amigos durante a conversa.

Estudos recentes também mostram que, quando as pessoas assistem a um filme emocional ou cantam juntos, suas frequências cardíacas e ritmos respiratórios se sincronizam.

Quando líderes e seguidores têm um bom relacionamento, suas ondas cerebrais se enquadram em um padrão semelhante.

E quando os casais românticos estão simplesmente na presença uns dos outros, seus padrões cardiorrespiratórios e ondas cerebrais se sincronizam, conforme a pesquisa mostrou.

Segurar a mão do seu parceiro alivia a dor?

O novo estudo é o primeiro a explorar a sincronização interpessoal no contexto da dor e do toque.

Os pesquisadores esperam que possa informar a discussão, pois os profissionais de saúde buscam opções de alívio da dor sem drogas.

O Dr. Goldstein surgiu com a idéia depois de testemunhar o nascimento de sua filha, agora com quatro anos de idade.

Ele disse: "Minha esposa sofria e tudo o que eu podia pensar era: "O que posso fazer para ajudá-la?"

"Peguei a mão dela e pareceu ajudar."

"Eu queria testá-lo no laboratório: pode realmente diminuir a dor com o toque e, em caso afirmativo, como?"

Como o experimento foi conduzido?

Goldstein recrutou 22 casais heterossexuais de longo prazo, de 23 a 32 anos e colocou-os através de uma série de testes destinados a imitar um cenário.

Os homens receberam o papel de observador; As mulheres são o alvo da dor.

À medida que os instrumentos mediam o coração e as taxas de respiração, sentaram-se juntos sem tocar, sentaram-se de mãos dadas ou sentaram-se em salas separadas.

Então, eles repetiram os três cenários, pois a mulher sofreu uma leve dor de calor no antebraço por 2 minutos.

Como nos ensaios anteriores, o estudo mostrou que os casais foram sincronizados fisiologicamente até certo ponto apenas sentados juntos.

Mas quando ela sofreu dor e não conseguiu tocá-lo, essa sincronização foi interrompida.

Quando ele foi autorizado a segurar sua mão, suas taxas caíram novamente e sua dor diminuiu.

Parceiros "empáticos" aliviam mais a dor

"Parece que a dor interrompe totalmente essa sincronização interpessoal entre casais", disse o Dr. Goldstein.

'Toque traz de volta'.

Sua pesquisa anterior descobriu que quanto mais empatia o homem mostrou para a mulher, mais sua dor diminuiu durante o toque.

E quanto mais fisiologicamente sincronizados eram, menos dor sentia.

Ainda não está claro se a diminuição da dor está causando maior sincronia, ou vice-versa.

"Pode ser que o toque seja uma ferramenta para comunicar a empatia, resultando em um efeito analgésico ou doloroso", disse o Dr. Goldstein.

Mais pesquisas são necessárias para descobrir como o toque de um parceiro alivia a dor.

Como o toque de um amante afeta o cérebro?

O Dr. Goldstein suspeita que o toque de um amante afeta uma área do cérebro chamada córtex cingulado anterior, que está associada à percepção da dor, empatia e função cardíaca e respiratória.

O estudo não explorou se o mesmo efeito ocorreria com casais do mesmo sexo ou o que acontece quando o homem é sujeito de dor.

O Dr. Goldstein mediu a atividade das ondas cerebrais e planeja apresentar esses resultados em um estudo futuro.

Ele espera que a pesquisa ajude a creditar cientificamente a noção de que o toque pode aliviar a dor.

A pesquisa foi publicada na revista Scientific Reports.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

As pessoas mais velhas podem aumentar seu poder cerebral ao terem mais sexo, revela pesquisa.



A intimidade melhora o vocabulário e a consciência visual de quem tem mais de 50 anos, um estudo revelou.

No entanto, ser ativo entre os lençóis não influencia sua atenção ou memória, acrescenta a pesquisa.

Os pesquisadores não especularam sobre o motivo pelo qual o sexo regular aumenta a função do cérebro das pessoas mais velhas, no entanto, pesquisas anteriores sugerem que isso estimula as áreas do cérebro associadas à aprendizagem.

O autor do estudo, Dr. Hayley Wright, da Universidade de Coventry, disse: "As pessoas não gostam de pensar que as pessoas mais velhas têm relações sexuais, mas precisamos desafiar essa concepção a nível social e analisar o impacto que a atividade sexual pode ter nos menores de 50 anos, Além dos efeitos conhecidos sobre saúde sexual e bem-estar geral".


Como o estudo foi realizado

Pesquisadores das universidades de Coventry e Oxford analisaram 28 homens e 45 mulheres entre 50 e 83 anos.

Os participantes completaram um questionário sobre sua atividade sexual no ano passado.

Eles então participaram de um teste que mede a função cerebral em adultos mais velhos.

Isso incluiu um "teste de fluência verbal", que exigiu que os participantes nomeassem tantos animais quanto pudessem em um minuto.

Eles então tiveram que dizer tantas palavras iniciadas com 'F' quanto pudessem.

A sua percepção visual também foi avaliada porque era necessário copiar um desenho complexo e desenhar um relógio.


Principais conclusões

Os resultados revelaram que aqueles que tiveram mais sexo fizeram melhor no teste de fluência verbal.

Eles também eram mais capazes de perceber os objetos e os espaços entre eles.

No entanto, o sexo regular não teve impacto na atenção ou na memória.

Os pesquisadores não especularam sobre como o sexo regular aumenta a função cerebral das pessoas mais velhas.

No entanto, pesquisas anteriores de cientistas da Universidade McGill no Canadá revelaram que p sexo estimula o desenvolvimento de neurônios na área do cérebro associada à aprendizagem. Neurônios enviam mensagens para outras células do sistema nervoso.


O que os pesquisadores dizem

O Dr. Wright disse: "Só podemos especular se isso é conduzido por elementos sociais ou físicos, mas uma área que gostaríamos de pesquisar ainda mais são os mecanismos biológicos que podem influenciar isso."

"Toda vez que fazemos outra pesquisa, estamos um pouco mais perto de entender por que essa associação existe, quais são os mecanismos subjacentes e se existe uma relação" causa e efeito "entre a atividade sexual e a função cognitiva nos idosos pessoas."


sexta-feira, 16 de junho de 2017

Masturbação Infantil: Como lidar com a descoberta dos órgão sexuais pelas crianças?



“Mamãe, tenho que te contar um segredo: mexe lá na perereca para você ver o tanto que é gostoso”. A frase é de uma menina de 5 anos. A mãe, que não será identificada, conta que achou engraçada a ingenuidade da filha. A solução que encontrou foi orientá-la a ter cuidado para não se machucar já que, por ter a pele sensível, a garotinha ainda usa pomada contra assadura. A dificuldade do adulto em lidar com cenas da masturbação infantil ou atos de interesse nos genitais de outras crianças está marcada pela carga cultural que envolve a sexualidade. “O prazer do adulto está além do físico, a excitação passa pela fantasia. Para a criança, é apenas uma experiência sensorial: ela descobriu que é gostoso e vai repetir”, explica a psicóloga e doutoranda em educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Anna Cláudia Eutrópio B. d’Andrea.

Ainda assim, não é raro que os pais se assustem quando confrontados com a questão. Muitos podem relutar em admitir o que estão presenciando, talvez por não se lembrarem de situações semelhantes já vividas no passado. Mas um teste rápido é capaz de comprovar que o interesse pelos genitais não é fato isolado. Experimente perguntar às pessoas ao seu lado se elas se lembram de algum episódio durante a infância de brincadeiras sexuais consigo mesmas ou com pessoas próximas. No teste da repórter na redação, dois episódios logo surgiram.

No primeiro, um estudante de 7 anos que encontrou dois coleguinhas sem calças na hora do recreio e chamou a professora imediatamente. Não porque intuiu alguma “coisa errada”, mas por que queria brincar naquele lugar. No segundo, uma filha avisou ao pai que assistia à televisão: “vou ali no quartinho e não quero que você entre lá”. Obviamente ele foi atrás e encontrou a filha pelada em cima do irmão mais velho, também uma criança sem roupas.

Psicóloga, professora da PUC Minas e coordenadora da educação infantil da escola Balão Vermelho, em Belo Horizonte, Adriana Monteiro reforça a importância de o tema ser compreendido como uma curiosidade natural da criança. “É uma forma de exploração corporal como colocar a mão na boca, a semente do feijão no ouvido ou morder o coleguinha para poder conhecer o corpo do outro. Quando descobre os órgãos genitais, a criança vai sentir prazer na descoberta e insistir no comportamento”, salienta. Para Adriana, uma das grandes dificuldades está no fato de as escolas não saberem lidar com o tema e terem uma abordagem mais moralista.


Abordagem

Pesquisadora em educação em sexualidade, Anna Cláudia observa que a menina de 5 anos já compreende que o “mexer na perereca” é da intimidade quando usa a palavra segredo para contar à mãe sua descoberta. Nesses casos, fica mais fácil ajudar os pequenos a compreenderem que o toque nos órgãos sexuais não é para ser praticado na frente das pessoas. Mas e quando é uma criança de 2 anos? Apesar de existirem marcos do desenvolvimento infantil, os pais precisam sempre lembrar que cada criança é única e tem o seu tempo para descobrir e entender o mundo ao seu redor. Considerando esse aspecto, Adriana Monteiro afirma que nessa idade é raro a masturbação ser um hábito frequente que necessite uma intervenção. “O que a gente faz é chamar a atenção da criança para outra ação sem repreendê-la”, diz.

Para Anna Cláudia, os adultos educam sexualmente não só com o que eles falam, mas também com o que não é dito. “A criança é uma esponja e percebe mais coisas do que o adulto consegue notar que ela percebe”, lembra. Ela recomenda – nos casos de a masturbação acontecer em público – que os pais façam a interdição em particular. “Se é da intimidade, a abordagem tem que ser de forma íntima, senão, o adulto estará transmitindo uma mensagem paradoxal”, pontua. Uma dica importante é usar o adulto como um espelho para ajudar a criança a compreender a orientação. “Você vê o seu pai fazendo isso na frente das pessoas?”, pode ser uma comparação a ser utilizada.


Prevenção

O que esses meninos e meninas precisam entender é que o pênis e a vulva são partes do corpo para serem lidados quando eles estiverem sozinhos. Esse recado ajuda as crianças a irem percebendo que o corpo é exclusividade delas. Dessa forma, os pais estão trabalhando, inclusive, a prevenção. Anna Cláudia reforça: “As crianças não se excitam. A experiência é exclusivamente sensorial. O problema está no olhar do adulto para a sexualidade infantil. O adulto erotiza e enxerga coisa que não tem”.


Insistência

É consenso entre especialistas que bater, xingar, reprimir não é o caminho para tratar a masturbação na infância, mesmo se o comportamento for insistente. Adriana Monteiro diz que a criança não entende que, moralmente, o comportamento em público não é bem aceito. “Em ambiente privado, os pais precisam dizer que é algo para se fazer quando estiver sozinho, no banheiro ou no quarto. O que o adulto precisa fazer é dar a noção da intimidade. Se a criança insiste, a conversa precisa se repetir”, sugere.

O artifício que a educadora utiliza na escola é chamar a criança em ambiente privado, reconhecer a vontade que ela tem em repetir o ato e fazer um combinado: “todas as vezes que você fizer esse tipo de brincadeira vou te ajudar a lembrar de outras brincadeiras”. Adriana diz que crianças de 3 e 4 anos conseguem manter o acordo.


Excesso

“O que difere a normalidade da patologia não é a qualidade, é a intensidade. Todo mundo sente as mesmas coisas, mas a patologia está no excesso”, afirma a psicóloga Anna Cláudia. Para ela, o que os pais precisam observar é em que situação a masturbação acontece. Novamente ela insiste: “A primeira tarefa é olhar sem julgamento. Acontece antes ou depois do quê? Como está o estado emocional da criança?”, sugere. Para Adriana Monteiro, o exagerado “é só querer fazer isso e nada mais. A criança pode até desviar a atenção para outra coisa, mas retorna à masturbação”. Nesses casos, a família deve procurar um atendimento especializado.


Questões de gênero

Outra questão que envolve a masturbação infantil é a diferença da abordagem para meninos e meninas. Para Anna Cláudia, a família costuma enxergar a masturbação do garoto como uma experiência de maturidade. No caso das garotas, muitas vezes o acesso ao próprio corpo é negado. “A educação sexual da menina ainda está focada na função de dar prazer ao homem e não no prazer dela mesma”, afirma. A especialista diz que já passou da hora de as famílias educarem os meninos para respeitar o corpo das meninas.


Adolescência

Para os adultos que já são pais e mães de adolescentes, o desafio da educação sexual é a família se abrir para conversar sobre as emoções dos filhos e filhas. “Discutir sexualidade não significa falar de gravidez e camisinha. Os pais focam no discurso preventivo e não acolhem as experiências que estão no nível das relações. Meninos e meninas querem falar de afeto, ciúme, machismo, padrão estético de beleza. Começar uma conversa com camisinha não vai dar liga. Não é disso que eles querem falar, não é isso que os inquieta”, afirma a psicóloga Anna Cláudia.

Uma sugestão que a especialista recomenda aos pais de adolescentes é o Manual de Educação em Sexualidade da Unesco, ‘Cá entre nós: Guia de Educação Integral em Sexualidade Entre Jovens’. Para acessá-lo, clique aqui.


Livros podem auxiliar os pais

A psicóloga Anna Cláudia Eutrópio B. d’Andrea indica alguns livros infantis que abordam os três temas de maior curiosidade da criança: as diferenças dos corpos de meninos e meninas, como o bebê entra e como o bebê sai.

Os pais devem se atentar para a habilidade de leitura e do desenvolvimento da criança. A dica principal é: responda na medida dos interesses deles. A leitura é recomendada para crianças entre 7 e 8 anos.

“Mamãe, como eu nasci?”, de Marcos Ribeiro, aborda o tema da masturbação infantil e é um livro com maior volume de textos. Em linguagem infantil e com ilustrações que auxiliam o entendimento dos pequenos, explica a diferença entre os corpos masculino e feminino, como acontece a relação sexual, o que é gravidez e até os tipos de parto.

De Thierry Lenain e ilustrações de Delphine Durand, o trio “Ceci quer ter um bebê”, “Os beijinhos de Ceci” e “Ceci tem pipi?” aborda os três grandes temas de curiosidade das crianças, mas desconstrói os estereótipos de gêneros. Em “Ceci tem pipi?”, Max se vê diante de um dilema: se Ceci não tem pipi, como ela pode ser tão forte?

De Babette Cole, “Mamãe nunca me contou” aborda temas que despertam a curiosidade das crianças, mas que as respostas demoram a chegar. Em “Mamãe botou um ovo”, os pais são confrontados pelos próprios filhos nas metáforas que usam para explicar de onde vem o bebê: “Nós achamos que vocês não sabem como os bebês são feitos de verdade. Então, vamos fazer uns desenhos pra mostrar como é”. A frase é proferida pelo casal de irmãos que dá uma “aula de sexo” para o pai e a mãe.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Como foi criada a heterossexualidade como a conhecemos hoje


O dicionário médico Dorland, de 1901, definiu a heterossexualidade como "um apetite anormal ou pervertido em relação ao sexo oposto".

Mais de duas décadas depois, em 1923, o dicionário Merriam Webster definia a orientação sexual como "paixão sexual mórbida por alguém do sexo oposto". Apenas em 1934 a heterossexualidade teve o significado atualizado: "manifestação de paixão sexual por alguém do sexo oposto".

Pessoas costumam reagir com incredulidade ao conhecer essas definições: "Isso não pode ser verdade", dizem. A sensação é de que a heterossexualidade sempre "esteve presente".

Há alguns anos, circulava na internet um vídeo de um homem que perguntava às pessoas na rua se achavam que homossexuais nascem com essa orientação sexual. As respostas variavam, mas a maioria dizia que era uma "combinação de natureza e criação".

O entrevistador então fazia outra pergunta na sequência, fundamental ao experimento: "Quando você decidiu ser hétero?" A maioria confessou nunca ter pensado nisso.

Ao sentir que seus preconceitos ficaram à mostra, as pessoas acabavam concordando com o ponto do entrevistador: as pessoas nascem gays, assim como nascem heterossexuais.

O vídeo parecia sugerir que todas as sexualidades "simplesmente estão aí", ou seja, não precisamos de uma explicação para a homossexualidade assim como não precisamos de uma para a heterossexualidade.

Parece não ter passado pela cabeça dos produtores do vídeo, ou das milhões de pessoas que o compartilharam, que precisemos de uma explicação para ambas.

Há trabalhos muitos bons, tanto acadêmicos quanto populares, sobre a construção social do desejo e da identidade homossexuais. Na verdade, a maioria de nós aprendeu que a identidade homossexual passou a existir em um momento específico da história humana. O que não aprendemos porém, é que um fenômeno parecido aconteceu com o surgimento da heterossexualidade.

Há várias razões para essa omissão educacional, incluindo viés religioso e outros tipos de homofobia. Mas a principal razão pela qual não fazemos perguntas sobre a origem da heterossexualidade é provavelmente porque ela parece natural. Normal.

Mas a heterossexualidade não "estava simplesmente presente" desde sempre. E não há por que imaginar que sempre estará.


Quando a heterossexualidade era anormal

A primeira contestação de que a heterossexualidade foi inventada geralmente envolve um apelo à reprodução: parece óbvio que o sexo entre genitais diferentes existiu desde o início da humanidade - e não teríamos sobrevivido até aqui sem isso. Mas essa contestação presume que heterossexualidade é a mesma coisa que sexo reprodutivo. Não é.

"O sexo não tem história", escreve o teórico David Halperin, professor da Universidade de Michigan, "porque é baseado no funcionamento do corpo". A sexualidade, por outro lado, tem uma história, precisamente porque é uma "construção cultural".

Em outras palavras, enquanto o sexo parece ser algo programado na maioria das espécies, a nomeação e classificação desses atos e de quem os pratica é um fenômeno histórico que pode e deve ser estudado como tal.

Em outras palavras: sempre houve instintos sexuais no mundo animal (sexo). Mas em um momento específico na história, os humanos criaram significados para esses instintos (sexualidade). Quando humanos falam sobre heterossexualidade, estamos tratando da segunda definição.

Hanne Blank trouxe uma maneira útil de discutir isso em seu livro Hétero: A Surpreendentemente Curta História da Heterossexualidade, com uma analogia da história natural.

Em 2007, o Instituto Internacional para Exploração das Espécies listou o peixe Electrolux addisoni na lista das "top 10 novas espécies" do ano. Mas é claro que essas espécies não passaram simplesmente a existir havia dez anos - foi apenas quando elas foram descobertas e cientificamente nomeadas.

"Documentos escritos de um certo tipo, por um certo tipo de autoridade, transformaram o Electrolux de uma coisa que já existia para uma coisa que ficou conhecida", conclui Blank.

Algo parecido aconteceu com os heterossexuais, que, ao final do século 19, passaram da mera existência para o conhecimento público. "Antes de 1868, não havia nenhum heterossexual", escreve Blank. Nem homossexuais.

Os humanos não haviam pensado ainda que eles poderiam ser diferenciados entre si de acordo com o tipo de amor ou desejo sexual que sentiam. Comportamentos sexuais, é claro, haviam sido identificados e catalogados, e até proibidos em certos momentos. Mas a ênfase estava no ato, não em quem o praticava.


Então o que mudou?

A linguagem. No final dos anos 1860, o jornalista húngaro Karl Maria Kertbeny criou quatro termos para descrever experiências sexuais: heterossexual, homossexual e dois termos que hoje não são usados mas que na época descreviam masturbação e bestialidade, monossexual e heterogenit.
Karl Maria Kertbeny criou o rótulo 'heterosexual"


Kertneby usou o termo heterossexual uma década depois quando foi convidado a escrever um capítulo de um livro a favor da descriminalização da homossexualidade. O editor do livro, Gustav Jager, decidiu não publicá-lo, mas acabou usando os termos de Kertneby em um livro que ele publicou em 1880.

A vez seguinte em que a palavra foi publicada foi em 1889, quando o psiquiatra austríaco-alemão Richard von Krafft-Ebing a incluiu em um catálogo de "doenças sexuais" chamado Psicopatia Sexualis. Mas, em quase 500 páginas, a palavra "heterossexual" é usada apenas 24 vezes, e nem sequer consta no índice.

Isso se deu porque Krafft-Ebing estava mais interessado em "instinto sexual contrário" ("perversões") do que em "instinto sexual", sendo que o último é o que ele considerava "normal" em termos de desejo sexual de humanos.

"Normal" é uma palavra cheia de significado, e foi usada de maneira errônea na história. A ordenação hierárquica de raças que levou à escravidão já foi aceita como normal, assim como a cosmologia geocêntrica. Os fundamentos desses consensos vistos como fenômenos normais perderam suas posições de privilégio apenas após serem alvo de questionamentos.

Para Krafft-Ebing, desejo sexual normal estava situado em um contexto maior de utilidade de procriação, uma ideia que combinava com as teorias dominantes sobre sexo no Ocidente. No mundo ocidental, muito antes dos atos sexuais serem divididos em hétero e homo, já havia uma ordem binária: sexo procriativo e não-procriativo.

A Bíblia, por exemplo, condena o sexo homossexual pela mesma razão que condena a masturbação: porque a "semente" é desperdiçada no ato.

Enquanto essa visão foi amplamente ensinada, mantida e reforçada pela Igreja Católica e depois por outras religiões cristãs, é importante sublinhar que ela não vem originalmente das escrituras judaicas ou cristãs, mas do estoicismo - doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.) que se caracteriza por uma ética em que a eliminação das paixões e a aceitação do destino são características do homem sábio.

Como a teórica católica Margaret Farley explica, os estoicos "tinham fortes pontos de vista sobre o poder dos humanos de regular emoções e sobre o desejo dessa regulamentação para encontrar a paz interior". O filósofo estoico Musonius Rufus, por exemplo, argumentava que as pessoas deveriam se proteger contra autoindulgências, incluindo excesso sexual.

Para evitar sua indulgência sexual, diz o teólogo Todd Salzman, Rufus e outros estoicos tentaram classificá-la em "um contexto mais amplo de significado humano" - argumentando que o sexo só poderia ser moral se buscasse a procriação. Antigos teólogos cristãos adotaram essa ética conjugal-reprodutiva e o sexo reprodutivo virou a única forma normal de sexo já época de Agostinho (354-430).

Apesar de Krafft-Ebing tomar essa lógica procriativa como natural, ele a expandiu bastante. "No amor sexual, o verdadeiro propósito do instinto, a reprodução da espécie, não é consciente", escreveu.

Em outras palavras, o instinto sexual contém algo como um objetivo reprodutivo programado - um objetivo que está presente até mesmo nos que fazem "sexo normal" e não o percebem.

Em seu livro A Invenção da Heterossexualidade, Jonathan Ned Katz vê um grande impacto na abordagem de Krafft-Ebing. "Ao colocar o reprodutivo separado do inconsciente, Krafft-Ebing criou um espaço pequeno e obscuro onde uma nova forma de prazer começou a se desenvolver."

A importância desse movimento - de instinto reprodutivo para desejo erótico - não pode ser diminuída, já que é crucial para as noções modernas de sexualidade.

Em geral, quando as pessoas hoje pensam em heterossexualidade, imaginam algo como: João sabe desde muito pequeno que é eroticamente atraído por garotas. Certo dia ele canaliza essa energia erótica em Suzana e ele a conquista. O casal se apaixona, dá expressões sexuais e físicas aos seus desejos eróticos e os dois vivem felizes para sempre.

Sem o trabalho de Krafft-Ebing, essa narrativa talvez nem fosse considerada "normal". Não havia qualquer menção, mesmo que implícita, à procriação. Definir instinto sexual como normal de acordo com desejo erótico foi uma revolução fundamental para pensar sobre sexo.

O trabalho de Krafft-Ebing deu base para uma mudança cultural que aconteceu entre a definição de 1923 de heterossexualidade como "mórbida" para a de 1934 como "normal".


O sexo e a cidade

Ideias e palavras frequentemente são produtos de sua época. Esse certamente é o caso da heterossexualidade, que nasceu em um momento em que a vida americana estava ficando mais regulamentada. Segundo afirma Blank, a invenção da heterossexualidade corresponde com o surgimento da classe média.

No final do século 19, as populações nas cidades na Europa e na América do Norte começaram a explodir. Em 1900, por exemplo, a cidade de Nova York tinha 3,4 milhões de moradores - 56 vezes sua população apenas um século antes.

Conforme as pessoas se mudavam para os centros urbanos, traziam consigo suas "perversões sexuais". Ao menos era o que parecia. "Em comparação com os vilarejos rurais, as cidades pareciam antros de excessos sexuais", escreve Blank.

Quando as populações nas cidades eram menores, diz Blank, era mais fácil controlar esse tipo de comportamento, assim como era mais fácil controlá-lo quando acontecia em áreas rurais onde a familiaridade entre vizinhos era uma norma. A fofoca das cidades pequenas podia ser um grande motivador.

Devido ao conhecimento maior dessas práticas sexuais em paralelo com o fluxo de classes mais baixas às cidades, "a culpa pelo comportamento sexual urbano impróprio geralmente era jogada sobre as classes mais baixas", diz Blank.

Era importante para uma classe média emergente se diferenciar desses excessos. A família burguesa precisava de uma forma de proteger seus membros da "decadência aristocrática por um lado e dos horrores da cidade lotada do outro". Isso demandava "sistemas reproduzíveis e universalmente aplicáveis para uma administração social que pudesse ser implementada em larga escala".

No passado, esses sistemas podiam ser baseados na religião, mas o "novo Estado secular exigia uma justificativa secular para suas leis", diz Blank. Aí entram especialistas como Krafft-Ebing, que deixou claro que a classe média ascendente não podia considerar o desvio da sexualidade normal (hétero) como simplesmente um pecado, mas como uma degeneração moral - um dos piores rótulos que alguém poderia ter então.

"Chame um homem de 'canalha' e você define seu status social", escreveu William James em 1895. "Chame ele de 'degenerado' e você o colocou no grupo mais repugnante da raça humana". Como diz Blank, degeneração sexual se tornou uma régua para medir as pessoas.

A degeneração, afinal de contas, era o processo contrário do darwinismo social. Se o sexo procriador era fundamental para a evolução contínua das espécies, desviar dessa norma era uma ameaça para toda a sociedade. Por sorte, esse desvio poderia ser revertido, se fosse observado cedo o bastante, pensavam os especialistas da época.

A formação da "inversão sexual" acontecia, para Krafft-Ebing, em vários estágios e era curável já no primeiro. "Krafft-Ebing enviou uma mensagem clara contra a degeneração e a perversão. Todas as pessoas com dever cívico deveriam se tornar observadoras", escreve Ralph M. Leck, autor do livro Vita Sexualis.

E isso certamente era uma questão de civilidade: a maioria do efetivo colonial vinha da classe média, que era grande e estava em crescimento.


Freud

Apesar de Krafft-Ebing ter ficado relativamente conhecido, foi Freud quem deu ao público maneiras científicas de pensar sobre sexualidade. Por mais que seja difícil reduzir as teorias do médico a algumas frases, seu maior legado é a teoria psicossexual do desenvolvimento, segundo a qual as crianças desenvolvem suas sexualidades por meio de uma dança psicológica elaborada dos pais.

Para Freud, heterossexuais não nascem assim, mas são feitos assim. Como diz Katz, a heterossexualidade para Freud foi uma conquista, aqueles que a conquistavam com sucesso navegavam por seu desenvolvimento infantil sem sair da linha.

Ainda assim, como diz Katz, exigia muita imaginação classificar essa navegação em termos de normalidade. Segundo Freud, o caminho convencional para a normalidade heterossexual é pavimentado com o tesão incestuoso do menino e da menina pelo pai ou mãe, com o desejo das crianças de assassinar seus rivais - ou seja, o pai no caso do menino e a mãe no caso da menina - e com o desejo de exterminar qualquer irmão ou irmã rivais.

Ou seja, a estrada para a heterossexualidade é pavimentada de tesão e desejo de sangue. A invenção do heterossexual, na visão de Freud, é uma criação profundamente perturbada.

O fato dessa visão de Édipo ter sobrevivido por tantos anos, assim como a explicação para a sexualidade normal, "é uma das maiores ironias da história da heterossexualidade", diz Katz.

Ainda assim, a explicação de Freud parecia satisfazer a maioria do público, que, continuando com sua obsessão com a regulação sobre todo e qualquer aspecto da vida, aceitou de bom grado a nova ciência sobre a normalidade.

Essas atitudes tiveram um novo embasamento científico com o trabalho de Alfred Kinsey, cujo estudo Comportamento Sexual do Macho Humano, de 1948, classificava a sexualidade dos homens em uma escala de zero (exclusivamente heterossexual) a seis (exclusivamente homossexual).

Suas descobertas o levaram a concluir que grande parte da população masculina "tem ao menos uma experiência homossexual entre a adolescência e a idade avançada".

Enquanto o estudo de Kinsey ampliou as categorias de homo e hétero ao permitir um certo contínuo sexual, ele também "reafirmou enfaticamente a ideia de que a sexualidade é dividida entre dois polos", como diz Katz.

Alfred Kinsey (no centro da foto) pode ter diminuído o tabu sobre o sexo, mas seus estudos
reafirmaram as categorias já existentes de comportamento homo e heterossexual

















O futuro da heterossexualidade

Essas categorias permanecem até hoje. "Ninguém sabe exatamente por que heterossexuais e homossexuais seriam diferentes", escreveu Wendell Rickets, autor do estudo Pesquisa Biológica sobre Homossexualidade, de 1984.

A melhor resposta que temos é um tanto tautológica: "Heterossexuais e homossexuais são considerados diferentes porque eles podem ser divididos em dois grupos com base na crença de que eles podem ser divididos em dois grupos".

Apesar da divisão hétero/homo parecer eterna e um fato indestrutível da natureza, ela não o é. Trata-se meramente de uma gramática recente que os humanos inventaram para falar sobre o que o sexo significa para nós.

A heterossexualidade, afirma Katz, "é inventada no discurso como algo que está fora do discurso. Ela é construída como se fosse um discurso que é universal e fora da temporalidade". Ou seja, é uma construção, mas é apresentada como se não fosse.

Como qualquer filósofo francês ou criança com um lego poderá lhe dizer, qualquer coisa que foi construída pode ser desconstruída também. Se a heterossexualidade não existia no passado, ela não precisa existir no futuro.

Jane Ward, autora de Not Gay ("Não Gay", em tradução livre), questiona o futuro da sexualidade.

"O que significaria pensar sobre a capacidade das pessoas para cultivar seus desejos sexuais da mesma maneira em que cultivam um gosto por uma certa comida?"

Apesar da preocupação de alguns com a possibilidade de uma fluidez sexual, é importante lembrar que vários argumentos na linha Born This Way ("eu nasci assim", em tradução livre) não são aceitos por boa parte dos cientistas.

Eles não sabem exatamente qual é a "causa" da homossexualidade e eles certamente rejeitam qualquer teoria que proponha uma origem simples, como um "gene gay".

Desejos sexuais, como todos os nossos desejos, mudam e são reorientados ao longo de nossas vidas - e é o que eles fazem, frequentemente nos sugerem novas identidades. Se isso for verdade, então a sugestão de Ward de que podemos cultivar preferências sexuais parece fazer sentido.

Por trás da pergunta de Ward há um desafio sutil: se estamos desconfortáveis com o quanto de poder temos - se é que temos algum - sobre a nossa sexualidade, qual é o motivo? Da mesma maneira, por que estaríamos desconfortáveis ao questionar a crença de que a homossexualidade, e por extensão a heterossexualidade, são verdades eternas da natureza?

Em uma entrevista ao jornalista Richard Goldstein, o romancista e dramaturgo James Baldwin disse ter fantasias boas e ruins sobre o futuro. Uma das boas era que "ninguém teria que se definir como gay", um termo para o qual Baldwin dizia não ter paciência. "Ele responde a um argumento falso, a uma acusação falsa", dizia.


Que acusação é essa?

"A de que você não tem o direito de estar aqui, que você precisa provar seu direito de estar aqui. Eu estou dizendo que não tenho o que provar. O mundo também pertence a mim."

Era uma vez em que a heterossexualidade era necessária porque os humanos modernos precisavam provar quem eram e por que eram, e eles precisavam defender seu direito de estar ali. Conforme o tempo foi passando, porém, esse rótulo parece na verdade limitar o leque de maneiras pelas quais os humanos entendem seus desejos, amores e medos.

Talvez essa seja uma razão pela qual uma pesquisa britânica recente descobriu que menos da metade dos jovens de 18 a 24 anos se identificam como "100% heterossexual".

Isso não sugere que a maioria desses jovens sejam bissexuais ou homossexuais, mas que eles não precisem mais desse termo como as gerações passadas precisavam no século 20.

Debates a respeito de orientação sexual tendem a focar em um conceito mal definido de "natureza". Porque o sexo entre genitais diferentes geralmente resulta na reprodução da espécie, damos a ele um status moral especial.

Mas a "natureza" não nos revela nossas obrigações morais - somos responsáveis por determiná-las, mesmo quando não percebemos que estamos fazendo isso. Como observou o filósofo David Hume, pular de uma observação de como é a natureza para uma fórmula do que a natureza deve ser é uma falácia lógica.

Por que julgar o que é natural e ético para um ser humano de acordo com sua natureza animal? Muitas das coisas que os humanos valorizam, como medicina e arte, não são naturais. Ao mesmo tempo, humanos detestam muitas coisas que são naturais, como doenças e morte.

Se considerarmos alguns fenômenos naturais como éticos e outros como não-éticos, isso significa que as nossas mentes (os que observam) estão determinando o que fazer com a natureza (o que é observado). A natureza não existe em algum lugar "lá fora", independentemente de nós - sempre estamos interpretando-a de dentro dela.

Até este momento da história do planeta, a espécie humana se multiplicou por meio do coito de sexos diferentes. Cerca de um século atrás, demos significados específicos a esse tipo de relação sexual, parcialmente porque queríamos encorajá-las.

Mas o nosso mundo está bastante diferente hoje. Tecnologias como a implantação de diagnóstico genético e fertilização in vitro (FIV) estão sendo cada vez mais desenvolvidas. Em 2013, mais de 63 mil bebês nasceram a partir de FIV. Na verdade, mais de cinco milhões de crianças nasceram através de tecnologias reprodutivas. Esse número ainda mantém esse tipo de reprodução como minoria, mas toda evolução tecnológica começou com os números contra ela.

Socialmente, também, a heterossexualidade está "perdendo terreno". Se havia um tempo em que indiscrições homossexuais eram o escândalo do dia, mudamos para um outro mundo cheio de casos heterossexuais de políticos e celebridades, com fotos, mensagens de texto e vários vídeos de sexo. A cultura popular está repleta de imagens de relações e casamentos heterossexuais disfuncionais.

Além disso, entre 1960 e 1980, a taxa de divórcio aumentou em 90%, lembra Katz. E enquanto ela caiu consideravelmente durante nas últimas três décadas, ela não se recuperou ao ponto em que seja possível falar que "instabilidade de relacionamento" seja algo exclusivo dos homossexuais, diz Katz.

A tênue linha entre heterossexualidade e homossexualidade não é apenas borrada, como alguns interpretam a partir da pesquisa de Kinsey - é uma invenção, um mito, que já está defasado, diga-se. Homens e mulheres continuarão fazendo sexo entre genitais diferentes até o fim da espécie humana. Mas a heterossexualidade enquanto marcador social, estilo de vida e identidade pode morrer muito antes disso.